quinta-feira, julho 27

A irmandade pacífica

Num jornal diário, um sr. Macias, doutorado em História, discorre sobre um passeio à Síria. Na Síria, além das “grandes matrizes artísticas” (o Ocidente limita-se a “pequenas cópias”), o sr. Macias encontrou a felicidade: gente hospitaleira, simpatia, cruzamentos de “vivências” (sic) e de crenças. Lá, abunda um “genuíno amor por crianças”, e as mulheres gozam de completa “autonomia”, a ponto de convidarem o sr. Macias para um chá em casa delas. A segurança, “dentro de fronteiras”, é total: o risco “vem de fora” (adivinhem de onde).

Claro que a Síria real é outra: uma brutal ditadura dinástica, que observa a lei islâmica, restringe os direitos das mulheres, condena as crianças ao trabalho e à fome e recebe, com o beneplácito oficioso, escravos da Ásia e da África. Basta folhear os relatórios das organizações de direitos humanos. Mas tudo bem: o doutorado Macias poupou na erudição (veja-se as descrições: “Uma espécie de casas feitas em terra e que, em termos de formato, são muito cómicas”) para investir na afirmação política.

Mesmo subtil, a afirmação política não falha nas alusões ao Médio Oriente. Ninguém está interessado em tomar chá com aldeãs, ou nos “cruzamentos de vivências”. A ideia é apresentar um retrato idílico, e alucinado, dos árabes na zona, para contrapor ao “invasor”, evidentemente Israel, que é sempre a questão original.

É também, e sempre, uma questão em voga. A minha última crónica bateu um recorde pessoal de ‘e- -mails’, favoráveis ou contrários. Nada a dizer: as críticas às políticas de Israel são naturalmente legítimas. Ilegítimo é o rol de mentiras que, regra geral, as acompanha. Em boa parte da opinião pública, não há a sombra de uma vontade em apurar razões: há raiva, e qualquer delírio a sustenta.

Vale que os ‘e-mails’ são sinceros: dois leitores, que confessam deplorar a violência, insultam o macaquinho do Irão por este não cumprir as ameaças que diariamente agita. Em público, esta franqueza cai mal, e a eliminação sumária de Israel, uma ambição largamente partilhada, tem de ser escondida sob o suave véu do pacifismo. Decerto são pacifistas que se agitam em manifestações perante as embaixadas de Israel. E, em Portugal, foram decerto pacifistas que subscreveram um “documento” a pedir o “fim da violência”.

O “documento”, que finge condoer-se dos povos palestiniano e libanês, é uma coisinha ordinária, que desfila invenções rasteiras e dezenas de “personalidades”. Já não falo das vítimas israelitas, de agora e de outrora. Mas, talvez por esquecimento, nenhuma das “personalidades” em causa assinou papéis quando palestinianos foram forçados (pela hospitalidade árabe) a secar em enclaves, mortos por sírios e roubados por Arafat. Ou quando libaneses foram mortos por palestinianos e submetidos a sírios e bandos terroristas.

Se nem as mais desvairadas ficções conseguem culpar os ‘sionistas’ por uma desgraça, a desgraça é irrelevante. Caso contrário, eles pagam a despesa. Desde que, em última e dissimulada instância, visem o fim de Israel, todos os pretextos e ‘argumentos’ servem. E todas as alianças, voluntárias ou não, são bem-vindas. Não é à toa que o tal “documento” junta padres e comunistas, fascistas e antifascistas, palhaços e malabaristas. Se estivermos atentos, ainda ouviremos a Extrema-esquerda invocar o pobre Ratzinger. O ódio a Israel é o farol ecuménico do nosso tempo.

Alberto Gonçalves, Sociólogo
in:correio da manhã 2006-07-26

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