quarta-feira, janeiro 5

Esta é mesmo para reflectir... venha ela de onde venha

Publico, 27/1/04

Por VICTOR PEREIRA GONÇALVES (Deputado social-democrata da Assembleia Municipal de Lisboa e presidente da sua comissão reabilitação urbana)


Terça-feira, 27 de Janeiro de 2004



Portugal é um país de grande amenidade, sendo felizmente raros os acontecimentos que nos provoquem o sentimento de catástrofe, como os incêndios do verão passado, as cheias de 1967 ou o terramoto de 1755 - ao contrário de regiões do globo regularmente fustigadas com desastres naturais dramáticos.
Vem isto a propósito da possibilidade da ocorrência de um sismo de grande intensidade na região de Lisboa. O sismo é um fenómeno geológico provocado por roturas com origem em falhas existentes na crosta terrestre, falhas essas que estão localizadas. Isto determina a existência e o conhecimento da existência de zonas terrestres do globo com maior propensão para a ocorrência de terramotos, de acordo com a dimensão e extensão dessas mesmas falhas. É possível que onde tenha havido um forte abalo de terra, possa vir a acontecer outro meses, anos, séculos ou milénios mais tarde, sendo esta periodicidade imprevisível à luz dos conhecimentos científicos actuais.
Portugal é especialmente afectado pela falha que separa a Europa da África e que passa a Sul do Algarve, falha essa responsável pelo grande terramoto de 1755. Mas em território português ocorreram muitos outros abalos com significativa intensidade e efeitos igualmente devastadores nos últimos dois mil anos. O primeiro de que há conhecimento remonta ao ano 60 a.C. Afectou em especial a costa ocidental da Península Ibérica. Em 33 d.C. ocorreu outro grande terramoto que provocou muitos estragos e mortos. Em 382 d.C. dá-se novo terramoto de grande intensidade. Em 1279 sente-se mais um grande abalo em todo o território. Em 1321 têm lugar três abalos de grande intensidade no espaço de três horas. Em 1356 novo grande abalo provoca grande destruição em Lisboa. As réplicas sentem-se durante um ano.
Em 1512 um abalo sísmico destrói inúmeras habitações na colina do Castelo, juntamente com o Mosteiro da Rosa, e provoca dois mil mortos na zona de Lisboa. Em 1531 dá-se mais um violento terramoto, com epicentro entre Vila Franca e Azambuja.
Em 1721 tem lugar outro terramoto, com maior impacto na região do Algarve. Em 1755, no dia 1 de Novembro, pelas 9h30m, ocorre um dos maiores sismos de sempre na Península Ibérica, acompanhado de maremoto.
Muitos outros abalos de menor importância aconteceram na região de Lisboa de 1755 aos nossos dias. Portugal, designadamente a região de Lisboa, poderá vir a sentir em data imprevisível um terramoto de grande intensidade.
A Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica tem vindo a desenvolver um notável trabalho de informação, estudo, formação e divulgação desta problemática, em especial dos seus efeitos no parque edificado e nas infra-estruturas, propondo também formas de intervenção.
Os edifícios de Lisboa podem classificar-se em cinco classes, de acordo com a época e o tipo de construção. A classe 1 corresponde aos prédios construídos antes de 1755, em alvenaria de má qualidade (a Mouraria, por exemplo). Na classe 2 inscrevem-se as edificações construídas entre 1755 e o final da reconstrução de Lisboa, cerca de 1880, em alvenaria de pedra de razoável qualidade e utilizando com frequência elementos de madeira no interior das paredes. É a célebre gaiola pombalina. A classe 3 refere-se ao período até ao inicio da 2ª Guerra Mundial, em que as edificações voltaram a ser construídas em alvenaria de pior qualidade. A classe 4 corresponde aos prédios construídos entre os anos 40 e 60, já com alguns elementos de betão armado (é o caso de S. Sebastião de Pedreira e Av. de Roma, entre outras zonas da cidade). Por fim, a classe 5 corresponde ao parque constru> ído após 1960, época da publicação da primeira regulamentação anti-sísmica, em que os edifícios passaram a ter obrigatoriamente estruturas de betão armado (a Av. dos EUA é um bom exemplo disso).
Um construtor que cumpra os regulamentos e construa com segurança sísmica é onerado com um custo superior ao que o não fez. Mas um edifício construído com resistência sísmica tem exactamente o mesmo aspecto que outro construído não considerando essa possibilidade, sendo a construção deste último naturalmente mais económica.
Segundo os responsáveis da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica, o parque edificado da região de Lisboa não resistiria, na sua grande maioria, a um sismo da violência do de 1755. As previsões de algumas entidades ligadas à Protecção Civil apontam para a possibilidade da ocorrência até 35 mil mortes na cidade.
Lisboa tem um parque edificado muito envelhecido e pior, em muitos casos mal conservado. por força de políticas que praticamente acabaram com o mercado de arrendamento, desvalorizando de forma significativa e sistemática o património de muitos proprietários, que assim deixaram de investir na recuperação dos seus imóveis, apesar de estarem legalmente a isso obrigados.
A Câmara de Lisboa - especialmente neste mandato - tem demonstrado uma grande preocupação na recuperação do parque urbano e tem já lançado arrojados programas visando uma recuperação o mais rápida possível, quarteirão a quarteirão e não prédio a prédio, quer no parque degradado municipal quer no privado.
Estes esforços são louváveis, e representam já uma enorme mudança no comportamento do município. Mas é fundamental ter em consideração que todas as intervenções só serão verdadeiramente eficazes se visarem também a segurança sísmica, pelo que as intervenções da câmara devem ter isso como preocupação permanente.
Recomenda-se maior responsabilização e fiscalização por parte da autarquia ou de entidade credenciada para o efeito. A diferença pode vir a ser entre a vida e a morte. Porque não certificar de forma pública os edifícios com resistência sísmica, para que o mercado e as seguradoras tenham uma informação mais correcta do valor dos imóveis e dos seus riscos?
Não estarão as seguradoras interessadas em intervir nesta área associando-se às autarquias na certificação desses edifícios quanto à sua resistência sísmica?
Propõe-se que a câmara, em cooperação com outras entidades interessadas nesta problemática, proceda à realização de um levantamento exaustivo do estado actual pelo menos do parque edificado de maior risco sísmico, que deve ser classificado segundo esse risco; que desenvolva estratégias eficazes de intervenção e melhore a fiscalização; que informe os munícipes com eficiência; proceda a uma informação ao munícipe eficiente; e que se venham a elaborar planos directores de reabilitação sísmica.
Entretanto... Que o futuro nos vá garantindo o sossego de não sentirmos a terra tremer.

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