terça-feira, fevereiro 1

A NATUREZA DO MAL


A Natureza do Mal
Por HELENA MATOS
Sábado, 29 de Janeiro de 2005

1. É verdadeiramente assombrosa a capacidade que temos de nos distrair do essencial e perdermo-nos com o acessório. O nosso ainda primeiro-ministro, furioso com os resultados das sondagens, propõe-se processar as empresas que as efectuam. Do mais que provável futuro primeiro-ministro, José Sócrates, cada vez se sabe menos o que pensa. E, contudo, ela move-se. Ou seja a política.

No passado fim-de-semana, esteve em Lisboa Josep Carod-Rovira, o líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). O senhor Rovira veio a Portugal falar-nos da Ibéria. Nem mais nem menos. Como o mesmo Rovira declarou ao semanário "Expresso", também na passada semana: "Devemos passar de uma concepção unipolar do Estado para uma outra multipolar, que passe por Lisboa, Barcelona, Bilbau, certamente por Sevilha, e juntos poderemos acabar de alguma forma esta península que nunca foi concluída."

E assim de uma assentada, Lisboa, capital de um Estado independente, foi colocada, pelo senhor Rovira, ao nível das capitais das regiões e comunidades espanholas. É de uma inconsciência assombrosa a bonomia com que em Portugal se escutam este tipo de afirmações. Duvido, aliás, que sejam escutadas. O "Jornal de Notícias", no artigo que dedicou à conferência de Rovira, em Lisboa, fez um título que deve ter ido buscar aos tempos em que o generalíssimo Franco era vivo - "Rovira diz que chegou a hora da Catalunha livre". Quem oprime a Catalunha nesta ano da graça de 2005? Não só a Catalunha é livre como o que de facto Rovira disse é que chegou a hora de Portugal se tornar uma região da Ibéria.

E note-se que o senhor Rovira não estava a discursar num encontro obscuro ou na sede dum movimento extremista. O senhor Rovira veio a Portugal a convite da Fundação Mário Soares, que, como se sabe, foi Presidente da República deste país que Rovira trata como uma região da Ibéria. Nada disto mereceu destaque na nossa campanha eleitoral. O que pensam, por exemplo, os nossos candidatos a chefes de governo do anúncio feito por Rovira, na Fundação Mário Soares, de que vai propor a Zapatero que a Catalunha participe nas próximas cimeiras luso-espanholas? Sócrates vai dar o estatuto de chefe de Estado aos governantes da Catalunha? E do País Basco? E da Galiza? E vai fazê-lo enquanto a Espanha discute este assunto?

Sobre Santana Lopes não vale a pena perguntar o que fará: não só não vai ser primeiro-ministro como, quando da cimeira luso-espanhola em que representou Portugal, aceitou ser colocado ao nível dos presidentes das comunidades autónomas da Espanha. A presente situação espanhola diz-nos respeito: porque os líderes independentistas procuram obter em Portugal o reconhecimento tácito do seu estatuto de chefes de Estado. Porque uma Península com três ou quatro Estados independentes é política e economicamente diferente para Portugal. Porque o processo de desgaste das instituições democráticas fomentado pelos independentistas em Espanha é exemplar dos logros em que as democracias caem.

Começou por se fazer equivaler antifascista a democrático, o que está longe de ser verdade. Movimentos como a ETA são profundamente reaccionários, mas o facto de os seus membros terem combatido Franco serviu-lhes de capa de legitimidade para continuarem a matar em plena democracia. À extorsão que praticam chama-se imposto revolucionário. Simultaneamente, pactuou-se com o culto dos mortos em que os nacionalismos e os terrorismos são férteis. O corpo de cada vítima dos nacionalistas, nos anos 70, 80 e 90 do século XX, valia sempre menos que os independentistas mortos pela Falange ou pelas tropas de Isabel, a Católica. Durante anos, olhou-se para o fenómeno da violência de rua e perseguições a não nacionalistas com a mesma tolerância com que os burgueses enfrentam os desmandos dos filhos: aquilo passa-lhes. Não passou. Em Espanha, agora, na urgência do inevitável, arranjam-se argumentos que visem impedir os bascos de organizar um referendo sobre o seu futuro estatuto. Em Portugal, nós já escutámos Rovira dizer-nos qual é o nosso futuro estatuto. Esperemos que não seja demasiado tarde quando tivermos percebido o que ele, de facto, disse. Não sobre a Espanha. Mas sobre Portugal.

2. Outro caso de desatenção óbvia é aquele que envolve Francisco Louçã. As suas declarações no debate com Paulo Portas sobre o aborto causaram consternação entre aqueles que acham que o Bloco é progressista e luta pela liberdade. Este convencimento é um fenómeno da natureza da fé. Todas as vezes que abre a boca, Louçã esforça-se por provar que não só não é democrático como permanece fiel aos seus ideais totalitários. Fê-lo com particular eloquência na entrevista que deu a Miguel Esteves Cardoso e que foi publicada na última edição da "Sábado". Está lá a cartilha toda da esquerda "reciclada": Lenine traído por Estaline. Os bolcheviques paladinos da liberdade contra "um regime czarista e de escravatura generalizada". Louçã não só não sabe quem foi o almirante Reis - é ele quem o diz no início da entrevista! - como não lê nada há muito tempo.

Toda a documentação revelada sobre o universo concentracionário instituído por Lenine, o apoio que a Alemanha lhe deu para que derrubasse o czar e negociasse a paz, o gulag... tudo isso Louçã reduz à "experiência trágica" de regimes "que se chamaram a si próprios comunistas". Esta separação entre o ideal e a prática é uma benesse de que o comunismo tem beneficiado. Se em vez de Lenine e do comunismo, Louçã estivesse a falar de Hitler ou do fascismo, admitir-se-ia que usasse o termo "desvio" quando se referisse aos campos de concentração?

Louçã continua sem admitir que o comunismo é um totalitarismo. Um totalitarismo que se propôs extinguir pessoas pela sua pertença social e pelo seu pensamento, tal como Hitler se propôs extinguir as raças impuras. Tirem-se ao Bloco as causas mediáticas, as conversas sobre as despenalizações, o apoio às causas politicamente correctas e encontra-se Lenine.

in:Público ed. on-line

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